No centro do Isolamento
Domingo, 28 de Março de 2004
Poema Derradeiro
Vejo-lhe nos olhos
Aquilo que lhe mereço
O pano de fundo do meu pensamento
Imagem que me devora o tempo
Razão de calmia e de sofrimento
O meu pretérito de amar
Paixão quente que queima
Canção de montanha e mar
De redundâncias que faço
A esconder no meu medo
Todo o enredo
Que construí.
E vou sabendo de ti
O meu mundo em teu regaço
Na espiral da tua mente
Na simbiose em teu abraço
Descarga física do que se sente
Se me desanima a sorte
Não me deixo compensar com a morte
Não é a motivação que quero
Para arranjar motivo e propósito
O meu caminho és tu.
Sei que sou esquisito
Louco numa Roma ardida de Nero
A inventar versos que rimem
A forçar melodia
Quando a música é inodora.
E fujo para fora
Para o exterior de mim
E desiludo-me assim
Com a perplexidade de idiota
A contemplar a fachada colorida
De um idiota de vida.
No edifício solarengo
O soalho é podre e o estuque
Cai em degredo
Pelo bater de tacões de flamenco
Mas apesar de tristonho, melancólico
Sou feliz com o rir de mim mesmo.
Terça-feira, 23 de Março de 2004
Frustração
Comprometo-me com o que faço
E fico com as mãos sujas.
A cabeça vazia é causa de tudo
Não sei onde a deixo, onde a perco
E sofrem os que por mim passam
Pelas mãos e pela boca
Nada é digno de ser tocado por mim
Qual Midas que estraga o que toca.
Só espero que isto passe
Que o azar passe
Antes que fique refém da loucura
Segunda-feira, 15 de Março de 2004
Deambulação
O corredor é negro e sujo
O odor nauseante
E deambulo porque fujo
Da minha cama angustiante
Em quarto isolado
Onde nidificam bactérias e o calor
Amarras verdes de bolor
Que me prendem ao leito errado.
Sexta-feira, 12 de Março de 2004
Acamado
Estou cansado...
Exausto de estar parado
Na minha imobilidadade consentida
Moribundo e acamado
Na necrose do fim de vida
Entubado de pensamentos antigos
De ideias repetidas
De razões perenes.
As costas escarizadas pelo remorso
Sexta-feira, 5 de Março de 2004
(...passagem de turno...)
Condenado à sobriedade
Vejo-me bêbedo e ensonado
Não gosto do caldo entornado
Que me suja o chão.
Não sai o cheiro que entranha
Toda a mobília se amanha
Desprezando-me a razão
Presa a uma escolha malfadada.
E sofro a penúria da profissão
Invejando os que por mim passam
A passear arrogância e preguiça
E nem os que dão missa
Me desamordaçam.
E vou contando escadas
Quando subo e desço
- Uma, duas, três...
E passa-me pela mente
O desejo de repentinamente
Contá-las todas de vez...
Desalento
Sou um puto vaidoso
Da minha nova forma e estilo
Mas nada é meu pois então
Pois não passo de um amontoado de cópias
Uma merda de imitação.
Já nem sei o que é meu
Se os gestos
Se as roupas...
Uma produção em série de muitos como eu
De fragmentos de modelo
Apodrecido e passageiro
Não valho sequer o dinheiro
Que o meu pai investiu.
V.P. 2004