No centro do Isolamento
Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2004
Segredo
Sábios os que se deixam enganar
Alheando-se da realidade
Pois não tormentam a vida
Para compreender a verdade
Que surge punidora e exigente
Com quem ousa pensar,
Numa vã luta impotente
Que nos faz asfixiar.
E o medo,
O medo é tomento e desassossego
Só a morte revela o segredo.
Nada
Tenho as mãos cheias de nada
Peso bruto de ilusão
De uma mente enganada
Pelo vazio no coração.
O sangue concentrou-se no peito
E as extremidades frias
Vão-me gelando os dias
Por ainda nada ter feito
Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2004
Ao Martinho
Perturbante a surpresa
Quando o abandono é súbito
E ficamos sem a certeza
Se o desejo é fortuito.
Mas descubro-te o intuito
De te ergueres noutra fortaleza
Onde cravarás nas tábuas
A tua poesia de cigarro
Palavras entupidas de catarro
E a rouquidão das tuas mágoas
VP
Segunda-feira, 16 de Fevereiro de 2004
Três Poemas de Egoísmo ou Os Versículos de Homicida
I
Não consigo tirar da memória
Teu assombroso olhar
Metáfora de pesadelo de Holocausto
De condenado judeu.
A presença da tua figura endeusada
De quem me atrai como cio animal
Fustiga-me as curvas do cérebro
Como castigo de pecado carnal.
Mas não fujo de tal chicote
Pois anseio esse prazer
Do momento de bonança após investida
Do olhar maligno
Dos dentes cerrados
Como com ódio de mim
Como com amor para me ver sofrer
II
Não queiras escapar do monstro
Que te invade por dentro
Se é que te assusta a moral
Pois não importas que ele te devore.
Apenas gritas numa tortura hipócrita
De quem não quer, querendo
De lágrimas de prazer que escondes
Numa máscara de dor.
Se não te alimentas de amor
Sorves o néctar líbidal
Que te nutre a alma
E eu sou violador e violado
Pois quem é juiz neste processo ingrato
É a tua consciência de carne
Ou mesmo se não possuis piedade
III
Os meus passeios
São pesadelo de lembranças
Quando a água é-me espelho
E me olho.
Choca-me o que te fiz
No entanto não me consigo arrepender.
Caíste-me nos braços
E como que se não tivesse pedido por ti
Aceitei-te com laxismo
O amor temporário do desejo
De te ter como posse efémera.
Suguei-te e despejei-te a carcaça vazia
Agora quero que apodreças feliz
Pois convenço-me de que tiveste o privilégio
De ser apunhalada por mim
VP 2003/2004
Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2004
Fim de dia
Sinto-me velho
Não o sendo
Pois não me poupas
A hesitância
E assim vou-te perdendo
Ainda que menor seja a distância.
O dia faz-se tarde
Numa penosa lembrança
De quem se julgava abastado em tempo,
Mas as veias calcificadas
São sinal de que não te tenho
E vou enrugando o rosto
Em expressões de desespero,
Convenço-me de que não te quero.
Entrego a alma ao mosto
Com o corpo abnegado
Como se embriagado
Anestesiasse o desgosto.
Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 2004
Casa vazia
A minha cama
É leito frio
De pés gelados
Espasmos de alma
Onde cheio de medo
Durmo com o vazio.
Casa enorme
Lar de penumbra
Do eco sombra
De silêncio nobre.
E tenho terror ao tédio
Filho forçado da solidão
E sinto-me um velho
Sujo que tresanda a isolamento
A puxar lagrimas a cada momento
Preso de pensamento
Confinado à televisão.
Vale-me o corpo jovem
E as pernas que me levam
Da angustiante clausura
Livre da firme mordedura
Do sono prolongado
Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2004
(sem título)
Conto dias difíceis
Quando adio definir-me
E vejo fugir-me
A areia entre os dedos.
Sou corrompido por medos
Que construo na ilusão
Mas sobra-me a dor no coração
De me saber amado em segredos.
Pena que só embriagados
Nos revelemos amorfos
De uma vontade de outros
Que nos vai castrando os esforços.
No entanto não sossego nem durmo
Com a ansiedade hesitante
E vai morrendo o amante
Em insónias e terror nocturno.
No entanto os dias surgem
E nada me trazem de novo
Apenas renasce a miragem
De não se extingir este fogo