Nunca julgo almas
Se elas fazem como eu
Não é imitando os outros
Que mostram aquilo que é seu
E vejo-me no paradoxo
De enrolar de cantiga
A condição que me intriga
E o que o povo faz nosso
Como cães que se matam pelo osso.
Se ainda fosse por prata
Tanta iniquidade
Valeria vender a verdade
Ao preço do pastel de nata
Vivo suspenso no breu
Vazio de sons e de estímulos
Só o peso da gravidade
A tensão do fio que me segura
Se ténue ou perenemente.
Nem mesmo a certeza da queda
Nem voz
Nem murmúrio que faça eco
Nada que me deixe enxergar o tamanho do nada
Só mesmo os músculos da face
Que a rasgam em sorriso.
O único sarcasmo que me concede a vida
Já que sou parco em lágrimas
É inútil o choro convulso ou sereno
Quando o gotejar é inaudível
Ou o abismo é profundo
Ou fomos encerrados na surdez.
Rudes e simples vidas
Em vales de pinheiros e colmo
Muralhas anãs de granito e musgo
Retalhando feudalismos e escravidão
O amor genealógico da submissão
A senhores de preguiça. falsos Midas.
Basta-lhes a atenção
Em dias de festa e romarias
Que os meninos e suas tias
Lhes dêem uma côdea de pão
Quão ingénuo é o povo
Que se deixa castigar amordaçado
Quando não é novo
O frágil chicote hierarquizado.
Basta erguer uma mão
A que segura a enxada
Que os da vida flauteada
Logo se prostrarão
Pena-me a hora desinspirada
Em que resolvi cantar-te
E fui destruindo a arte
Em cada palavra pensada.
Artéria principal em ribeiros metastizada
Sinónimo de fronteira forçada
A quatro povos irmãos
Com mesmo cansaço nas mãos
Os mesmos rostos e medos
O mesmo manjar sobre a mesa
A mesma alegria e tristeza
Por te fazer chegar aos vinhedos
Longas caminhadas
Contam as minhas pernas
Pois a noite foi farta em tempo.
Se as trevas são meu alimento,
Ou o orvalho sobre as ervas,
Quedo-me por aqui
Pois a manhã nunca é minha
Sou dela mamífero ibernento.
Recuso a aurora como começo,
Vendo-a como fim da jornada
Pois até lá galguei a estrada
Em busca do insossego
Que não me deixa ser normal
Pois a enxada laboral
Cobre-me as mãos de calos.
Quem me dera poder tratá-los
E deixar-me dormir como toda a gente
Mas se quero ser diferente
Tenho de despertar enquanto eles adormecem